sábado, 2 de dezembro de 2023

Estrada

120...

140...

160...

180... O velocímetro vai avançando implacável enquanto Pedro acelera na rodovia vazia...

O relógio aponta 03:31, o rádio toca alguma do Pearl Jam. Pedro não presta muita atenção na música. Ele está focado na estrada, as linhas brancas quer passam cada vez mais rápido ao lado do veículo, numa dança sincronizada com a respiração, sem nem mesmo perceber. Até que uma voz o tira do transe que a estrada sempre proporciona.

- Para que tanta pressa Pedro? - Pergunta Laura.

- Só estou aproveitando a estrada, nem mesmo percebi a velocidade. - Ele responde.

Ela olha pra ele, aquele olhar que ela não sabe, mas faz a respiração dele sair de sincronia toda vez. Laura é com certeza o ser mais lindo que Pedro já viu na vida, o olhar dela o faz lembrar o quanto ele foi sortudo de tê-la encontrado.

Enquanto o observa, Laura leva a mão para a lateral da cabeça dele e delicadamente passa os dedos em seus cabelos.

- Está quase do tamanho do dia que a gente se conheceu. - Ela diz.

- Faz um tempinho que não corto, acho que fiquei nostálgico. 

- Gosto muito da memória desse dia, você se lembra?

- Como eu poderia esquecer meu amor? Me perdi da turma naquele dia, acabei agradecendo de não tê-los encontrado. Pois encontrei algo muito melhor. Pedro responde com um sorriso impossível de segurar com a lembrança.

- Eu te vi lá parado, olhando o pôr do sol sozinho, o vento batendo nas suas roupas. Te achei tão bonito, contemplativo, sério... Aí você me viu, nossos olhos se encontraram e ficamos nos encarando pelo que pareceu uma eternidade, no fim você já estava com um sorriso todo bobo.

- Não tinha como conter o sorriso, quando eu te vi o pôr do sol se tornou insignificante, eu me apaixonei por você naquele mesmo instante, eu sabia que não teria mais volta, foi assustador.

- Você estava tão nervoso que mal conseguia completar uma frase simples nos primeiros quinze minutos. sua sorte é que achei aquilo fofo.

Os dois deixam uma boa risada escapar com a lembrança. Era uma lembrança tão boa, do começo de algo tão bom, bonito, singelo e forte pra ambos. Uma lembrança que simplesmente transbordava felicidade, e a felicidade continuou transbordando da lembrança na forma de risos.

Pedro parou primeiro de rir, ao sentir um gosto amargo na boca.

- Sinto sua falta... - Ele diz.

- Eu também sinto sua falta, mas não a nada que possamos fazer agora Pedro. A roda da vida girou e nos separou, acontece, infelizmente.

- Odeio a roda da vida. Ainda sonho a noite com nosso futuro juntos e felizes, apenas para acordar chorando.

- Eu sinto muito ter te deixado dessa forma, eu também ansiava por nosso futuro juntos e felizes. A tristeza quase palpável nas palavras de Laura.

O gosto amargo na boca de Pedro é quase insuportável agora, ele quer saber, ele não consegue descansar sem saber, ele precisa fazer a pergunta.

- Porquê? - ele finalmente pergunta. - Porquê você tinha que partir assim?

Laura apenas abaixa a cabeça.

 - Porquê? - continua Pedro - Porquê eu não pude fazer nada? Porquê eu tive que ficar apenas assistindo você ir? Porquê eu sou aquele que tem de ficar? Porquê você morreu sem que eu pudesse te salvar Laura?

- Meu amor! - Laura responde com dor e doçura na voz. - Eu não sei porque as coisas são assim, mas elas são o que são. Infelizmente a vida é algo breve e frágil, mas eu realmente ficaria feliz de te ver vivendo uma vida longa e feliz.

- Me desculpe por isso, eu só... não sei... só quero que a estrada me leve a algum lugar... 

240...

257...

0... 

Ao fundo alguma música do Audioslave vaza de um autofalante parcialmente destruído... Um relógio marca 03:33...






A Prisão


Paredes apertadas se fecham sobre mim, uma prisão que não consegue me prender. Pois minha mente vaga longe dali, longe demais pra alcançar, longe demais pra suportar. E assim a mente vaga, diariamente vaga, pra longe e longe, até que algo a faça retornar.

Geralmente são os carcereiros que me trazem de volta, e sempre com violência. O primeiro, sempre me acerta no estomago, me deixa fraco e debilitado. O segundo me acerta na cabeça, me entorpece e deixa tudo confuso. Mas o pior é o terceiro, ele me enche de drogas que tornam a realidade apenas uma hipótese de algo inalcançável e assim eu nunca vou poder escapar da prisão.

Mas minha mente não se deixa prender... Ela é e sempre será livre enquanto a maquina humana permitir que ela se mantenha... E ela se manterá livre...

Todos os dias os carcereiros vem, quando desejam vir, independente de outro já estar ou não praticando sua própria violência.

Todo dia minha mente viaja pra longe da prisão, por estradas, estrelas ou campos de algodão. Vai onde deseja ir, o mesmo destino de infinitas rotas.

E nesse ciclo sem fim, a visível dualidade. Nenhuma prisão pode me tirar a liberdade.